Conversa pública com palestrantes de alto nível e a projeção do filme animado “Dispararam no Pianista” no Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimentos Forçados

16 de setembro de 2024

Com um auditório lotado, realizou-se a conversa pública no Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimentos Forçados com um painel e a projeção do documentário animado “Dispararam no Pianista”, de Fernando Trueba e Javier Mariscal. A atividade, organizada pelo Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos do MERCOSUL (IPPDH) e pelo Museu Sitio de Memoria ESMA, ocorreu na sexta-feira, 30 de agosto, na sede do IPPDH, no Espaço Memória e Direitos Humanos (ex-ESMA) na Cidade de Buenos Aires.

A jornada começou com as boas-vindas de Cecilia Batemarco, responsável pela comunicação e Cultura do IPPDH, e de Mayki Gorosito, diretora executiva do Museu Sitio de Memoria ESMA. Em seguida, tomaram a palavra Mauricio Fernando Dias Favero, ministro-conselheiro da Embaixada do Brasil, e Thomas Touzet, encarregado pela Cooperação Universitária da Embaixada da França, representações diplomáticas que apoiaram a realização das atividades.

O painel foi conduzido e moderado por Guilhermo Amarilla Molfino. o neto número 98 restituido pelas Abuelas de Plaza de Mayo. Foi a jurista francesa e membro do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, Hélène Tigroudjaa primeira em expressar sua exposição e a referir-se ao lugar das famílias das vítimas de desaparecimentos forçados: Há violações dos direitos das vítimas, mas também há violações dos direitos dos familiares das vítimas. E o Comite considerou que a familia, os familiares da vitima de desaparecimento também são vitimas diretas de uma forma de tortura, porque a
ausência de informação e o acesso negado à justiça são também maus-tratos que violam o pacto internacional”.

Por sua parte, Horacio Ravenna, vice-presidente do Comitê contra o Desaparecimento Forçado das Nações Unidas, revisou o percurso conceitual do crime de desaparecimento forçado. “A história do desaparecimento forçado é uma história extensa. Quando isso foi discutido na ordem internacional, o argumento foi que não era necessário, já que desde 1994 tínhamos a Convenção Interamericana e, portanto, esse era um problema da América Latina e nada mais. Insistiu-se e houve uma série de marcos que foram destacando a necessidade de redigir uma convençãp.” indicou Ravenna.

Em seguida continuou com a interlocução María Adela Antokoletz, membro da Federação Latino-Americana de Associações de Familiares de Detidos-Desaparecidos (FEDEFAM), que falou sobre a jornada das Mães da Praça de Maio. “As Mães foram cresceram em sua consciência, entenderam por que havia desaparecidos, perceberam que não eram apenas de Buenos Aires e de nossas fronteiras, mas de todo o continente, e com o passar do tempo entendeu-se que também há desaparecidos em outras partes do mundo”. Ela destacou que “as Mães também compreenderam que unindo-se com familiares, com outras mães, com as avós, com quem buscava desaparecidos, com especialistas, advogados de países distintos, poderiam conquistar maiores resultados”.

Continuando, Luciano Hazan, ex-membro do Grupo de Trabalho sobre Desaparecimentos Forçados das Nações Unidas, reconheceu especialmente os países que apoiam essa luta. “A solidariedade internacional foi a porta que os organismos de direitos humanos e os familiares puderam encontrar quando todas as portas estavam fechadas durante a ditadura cívico-militar. E isso está ocorrendo também em governos autoritários que há neste momento ao redor do mundo; existem governos que são solidários e permitem a denúncia internacional e o acesso às vítimas. Estamos em um momento em quel precisamos de maneira muito forte da solidariedade internacional.” expressou Hazan.

O fechamento do painel contou com o testemunho de Guillermo Amarilla Molfino, que repassou o relato de história familiar, atravessada por crimes de lesa-humanidade durante a última ditadura cívico-militar na Argentina. “Quando alguém se ocupa de dar esses testemunhos, sempre aparecem coisas novas na mesma narrativa, o que se trata para nós, sobreviventes e familiares, e tem a ver com verbalizar, acredito eu, com dar corpo ao que foi silenciado por tanto tempo”. Ademais, Molfino acrescentou: “um dos primeiros lugares que se conhece quando ao ser restituído é o universo da ternura, e estamos em tempos onde é necessário tê-lo presente em cada um desses passos”. Por último, ele recordou que ainda há mais de 300 netos que desconhecem a sua identidade.

“Dispararam no Pianista”, o documentário sobre a história do sequestro e desaparecimento do artista brasileiro, Francisco Tenório Júnior.

Ao finalizar o painel e com um grande público, foi exibido o documentário animado “Dispararam no Pianista”, de Fernando Trueba e Javier Mariscal. Esse filme é baseado na história do sequestro e desaparecimento do pianista brasileiro Francisco Tenório Júnior em Buenos Aires, dias antes do início do golpe cívico-militar de 1976. Um jornalista musical de Nova York, fictício na história, investiga esse misterioso caso em um thriller ao ritmo de jazz e bossa-nova. A projeção foi realizada pela primeira vez em Buenos Aires no mesmo dia em que o Brasil retomou os trabalhos da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos.

Francisco Tenório Cerqueira Júnior, mais conhecido como Teroninho, tinha 35 anos e era um dos mais brilhantes pianistas da música brasileira. Ele é um dos brasileiros sequestrado na Argentina durante a ditadura, e seu caso é uma amostra clara das ações de terrorismo de Estado no Plano Cóndor, que conectava os serviços de inteligencia das ditaduras do Cono Sul.

Tenorinho estava em Buenos Aires acompanhando o músico Vinicius de Moraes em seus concertos quando foi sequestrado em 18 de março de 1976, nas proximidades do hotel Normandie, na rua Rodriguez Peña, 300, na Cidade de Buenos Aires. O repressor argentino Claudio Vallejos, conhecido como El Gordo, integrante do Grupo de Tarefas radicado no Brasil, reconheceu em 2013 ter ido buscar Franciso Tenório em uma delegacia para levá-lo à ESMA. Segundo Vallejos, Tenório foi assassinado pelo capitão Alfredo Astiz. Ele continua desaparecido. Vallejos foi extraditado pelo governo do Brasil após a solicitação do governo argentino, no marco da chamada “Megacausa ESMA”.

“Dispararam no Pianista” teve uma grande resposta por parte do público presente.“Achei esse filme muito bonito. Estou profundamente comovida. Essa é uma criação deanimação, e tem que ser muito genial para falar sobre um detento desaparecido quase sem mostrar momentos de filmagem real. É uma das formas criativas que a memória aspira para atingir um público maior. Acho que o filme dosa muito sabiamente a música, o individual e o que é testemunho”, sinalizou Maria Adela Antokoletz.

Este ano, o filme de Trueba e Marical foi nomeado como melhor filme animado nos Prêmios Goya e nos Prêmio Platino del Cine Iberoamericano. A trilha sonora do filme conta com músicas de João Gilberto, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Vinicius de Moraes e Paulo Moura.

print
Projeto financiado com recursos do Fundo para a Convergência Estrutural do MERCOSUL
Creative Commons License Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual 4.0 Internacional.